Presidente do CA da MUSAMI explica como se desenvolve projeto do Ecoparque

Autor: Rita Vasconcelos Rebelo/ Correio dos Açores / 08 de Janeiro de 2020

Ao Correio dos Açores diz que “sem valorização energética não será possível cumprir com a mais exigente meta de um máximo de 10% em aterro” e revela as prioridades da MUSAMI em matéria de gestão e tratamento de resíduos

Neste novo concurso para a Central de Valorização Energética de Resíduos de São Miguel “retiramos algumas frações que estavam antes previstas e que tinham um grande poder calorífico (pneus, óleos e resíduos de biomassa florestal) que permitiram reduzir a capacidade da nova central. Esta é a grande diferença que se traduz numa central de 20 MW térmicos em vez da anterior que tinha 30,4 MW térmicos. Prevê-se iniciar o concurso em janeiro de 2020 já tendo em conta a nova legislação europeia que foi divulgada este mês e que obriga a alterar alguns requisitos técnicos relativos à emissão de gases”, revela Ricardo Rodrigues.

Há quatro anos foi lançado o concurso pela MUSAMI para a empreitada de conceção, construção e fornecimento de uma Central de Valorização Energética de Resíduos na Ilha de São Miguel, ao qual concorreram três empresas, tendo sido considerada finalista, apenas uma delas, a quem foi adjudicada a empreitada que depois mereceu uma sentença “Salomónica” por parte do Tribunal Administrativo e Fiscal de Ponta Delgada, voltando todo o processo que está encerrado, mas outro está em andamento. Quais são as diferenças entre o processo que fracassou e o que está agora a decorrer em parte, e o que está em preparação para o novo concurso para a Central de Valorização Energética de São Miguel?

A Central de Valorização Energética foi dimensionada para tratar os resíduos sólidos urbanos que resultam do tratamento das instalações de valorização material dos resíduos. Para se compreender melhor, a MUSAMI recebe resíduos de forma seletiva (biodegradáveis e recicláveis) que são encaminhados para instalações de valorização orgânica e para o Centro de Triagem. Os resíduos indiferenciados (mistura de resíduos) são encaminhados para o Pré-Tratamento Mecânico que retira a essa mistura uma fração orgânica e uma fração reciclável. Todas estas instalações têm refugos que são resíduos que não são possíveis reciclar nem transformar em composto. São estes resíduos que são encaminhados para a valorização energética. Neste novo concurso retiramos algumas frações que estavam antes previstas e que tinham um grande poder calorífico (pneus, óleos e resíduos de biomassa florestal) que permitiram reduzir a capacidade da nova central. Esta é a grande diferença que se traduz numa central de 20 MW térmicos em vez da anterior que tinha 30,4 MW térmicos. Prevê-se iniciar o concurso no mês de janeiro do próximo ano já tendo em conta a nova legislação europeia que foi divulgada este mês e que obriga a alterar alguns requisitos técnicos relativos à emissão de gases.

As regras europeias quanto ao tratamento dos resíduos seguem os seguintes princípios: reduzir, reutilizar, reciclar, e no final, o descarte. A MUSAMI segue essas regras no Plano que tem em execução para o tratamento global dos resíduos em São Miguel?

O projeto Ecoparque da Ilha de São Miguel é um projeto integrado e de longo prazo e que traduz a contribuição da ilha para os diplomas sobre a gestão de resíduos e sobre a economia circular. A hierarquia dos resíduos é parte central deste projeto que prevê as instalações técnicas necessárias a garantir a reciclagem e a valorização orgânica nos exatos termos em que são colocados pelas Diretivas Comunitárias e que depois são derrogadas pela Legislação Nacional. A discussão pública tem incidido sobre a valorização energética, mas esta é apenas a última instalação do sistema e não a primeira. Recorda-se que não está previsto receber diretamente resíduos para incineração. Esta só recebe o que as outras instalações não conseguem valorizar. O que a hierarquia de resíduos diz é que primeiro de deve reduzir a produção de resíduos que é algo que depende da população e dos seus hábitos de consumo. Depois deve reciclar-se que é o que o nosso projeto faz. Depois deve valorizar-se energeticamente e, só por último, se pode depositar em aterro. Ora o nosso projeto parte de um conceito de aterro zero.

Pode dizer-nos que percentagem de resíduos em São Miguel se encaixa em cada um princípios enumerados?

É difícil responder assim pois varia em cada ano. Nós partimos da situação atual (28% de preparação para valorização e reciclagem) e atingimos 37,5% em 2021 com a entrada em funcionamento do pré-tratamento mecânico e 56% em 2022 com a entrada em funcionamento da Central de Valorização Orgânica. Com o aumento proveniente das recolhas seletivas esta evolução vai sempre aumentando a um ritmo que permite chegar a 68,9 em 2035 e 70% em 2040.

Tem elementos que possam quantificar os custos e malefícios para a saúde provindos dos resíduos que atualmente vai parar ao aterro, que será proibido em breve?

Os aterros têm essencialmente um risco ambiental associado. Geram enormes quantidades de metano que é um potente gás com efeito estufa que contribui muito para as alterações climáticas. Basta dizer que uma tonelada equivale a 21 toneladas de dióxido de carbono (CO2). Depois há sempre o risco de contaminação de aquíferos subterrâneos que, no nosso caso, se trata do aquífero de base onde quase todos os furos retiram água inclusive para consumo humano. O aterro é uma tecnologia que não encontra fundamento numa lógica de economia circular em que tudo deve ser, de alguma forma, valorizado e nunca descartado para sempre num terreno onde só pode gerar problemas.

Uma das propostas que aparece em contraponto ao projeto da Central de Valorização Energética de resíduos em São Miguel, aponta para a exportação dos resíduos para ser queimado na Terceira ou para outras centrais existentes em Portugal. Quais são os prós e contras de uma opção assente na exportação, ou se preferir quais são os ganhos e os custos resultantes da exportação dos lixos, tendo em conta os custos resultantes da exportação dos resíduos, tendo em conta os custos de armazenamento e transporte que isso acarretaria para a MUSAMI?

A instalação da Terceira não é uma solução pela sua dimensão. Qualquer micaelense compreende que a escala de São Miguel não se compagina com a da Terceira. Teria sido um grosseiro erro de dimensionamento que a instalação da Terceira tivesse capacidade disponível para tratar os resíduos de uma ilha que tem mais do dobro da população, do turismo, da indústria e de qualquer outro parâmetro relevante.

Transportar resíduos é fazer mais emissões de carbono associados ao transporte, o que desde logo não parece racional quando se quer contribuir para as políticas de tratamento de resíduos, mas de forma mais holística para o ambiente em geral, incluindo as alterações climáticas.

As instalações nacionais estão ocupadas pois a Portugal tem pouca capacidade nesta tecnologia, tema que tem sido muito debatido. Mas mesmo que essa capacidade existisse estávamos a falar de um sobrecusto para os micaelenses muito significativo que triplicaria o custo atirando para uma base superior a 100 € por tonelada. Seria o negócio do século para os transportes marítimos, mas péssimo para os micaelenses que são quem estamos obrigados a proteger.

Certamente que tem consciência que a Economia Verde está assente na riqueza que se espera que ela produza, sobretudo para quem nela investir, o que faz com os projetos colocados no mercado são alvo de cobiça e trabalhados por lóbis de grande quilate, e daí o marketing opinativo que aparece a favor ou contra as opções que têm de ser tomadas pelos serviços e responsáveis mandatados para o efeito. Que argumentos sustentam o novo concurso que a MUSAMI vai lançar para a empreitada da central de valorização energética de resíduos?

Como instituição pública somos obrigados a não entrar em discussões públicas que muitas vezes são lançadas indiretamente por interesses comerciais, mas de forma a serem seguidos por pessoas que, embora bem-intencionadas, seguem argumentos falsos que dificultam a execução de um projeto moderno e dirigido a um problema específico. A legislação define como são lançados no mercado os projetos, com uma legislação bastante pormenorizada e toda a tramitação do concurso faz-se em plataformas informáticas onde todo o diálogo concursal é executado em processos digitais. Essas plataformas são auditáveis pelas autoridades, nomeadamente o Tribunal de Contas em processo de concessão de visto prévio. Os lóbis fazem o seu trabalho na opinião pública, mas na tramitação dos concursos públicos internacionais não têm qualquer influência. Não há muito a fazer quanto a isso, exceto não aceitar diálogos com fornecedores interessados no concurso fora das plataformas de contratação eletrónica que é o que a MUSAMI faz.

Este concurso apresenta-se como a última oportunidade para São Miguel aceder aos apoios comunitários que permitam a viabilização do sistema de tratamento de resíduos de São Miguel e a sua aplicação na valorização energética?

Não é possível dizer até porque as políticas comunitárias evoluem. Neste momento diz-se, embora não exista ainda qualquer decisão, que no próximo Quadro Comunitário não haverá elegibilidade para a valorização energética, nem para aterros ou tratamentos mecânicos e biológicos. Se assim se confirmar esta oportunidade ganha relevância pois no próximo quadro parte do projeto não poderia ser feito. Estas opções não são relativas ao mérito das tecnologias, mas quanto à prioridade que a Comissão e o Conselho consideram em cada momento. A verdade é que os países europeus quase todos já têm estas instalações. Sem valorização energética não será possível cumprir com a mais exigente meta de um máximo de 10% em aterro. Até porque não é possível reciclar 90% dos resíduos seja qual for o sistema.

Que consequências haveria para o sistema de tratamento de resíduos de São Miguel se não fosse instalado um sistema como aquele que está em funcionamento há anos na ilha Terceira?

Construir aterros sanitários consecutivos e nunca cumprir com a meta de aterro.

Em nome da MUSAMI, que compromisso pode assumir com os micaelenses quanto à salvaguarda das normas ambientais e da qualidade do ar depois da instalação e entrada em funcionamento da Central de Valorização Energética de Resíduos, isto depois do insucesso do projeto pioneiro da central de tratamento de lixo com minhocas no Nordeste?

O sistema desenvolvido no Nordeste pela respetiva Câmara Municipal não foi um insucesso. Apenas não responde às necessidades e exigências atuais (já tem mais de 20 anos) pois foi concebido num contexto e escala totalmente diferentes.

O compromisso que temos com a população é o de fazer um sistema que nos orgulhe e que seja um dos melhores sistemas de gestão de resíduos em ilhas. Este compromisso também depende do compromisso das populações no sentido de praticarem efetivamente a reciclagem e estarem responsabilizados pelo seu próprio desempenho. Estamos em articulação com as câmaras municipais a projetar recolhas seletivas porta a porta para a fração dos resíduos alimentares que entrará em funcionamento assim que a instalação que os vai tratar, e que está neste momento em concurso público, comece a funcionar. É necessário que a população faça a respetiva separação e entrega ao sistema. Estamos certos de que a população da ilha de São Miguel vai ser parte indispensável no sucesso do projeto porque uma parte depende do serviço colocado à disposição, mas a outra depende sempre do nível de cidadania da população. Estamos confiantes que juntos vamos ter sucesso.

 

Fonte - Correio dos Açores/ 15 dezembro 2019/ João Paz